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Como perder 48h.
Dás por ti no ponto em que começaste. A ouvir os barulhos da noite, um carro parado com o motor ligado, um jogo de futebol na TV e os ruídos que são os mesmos dos últimos dez anos.
 
As pessoas vieram, foram, ficaram. Compraste coisas, deitaste coisas fora, mas a inquietação é a mesma.
Para onde vais?
 
Ao longe passam as luzes de mais um carro, uma corda pendurada numa árvore depois de os pássaros terem ido dormir.
Há tudo menos silêncio.
 
Acreditou-se, desacreditou-se, mas a agenda diz que tens de estar num sítio qualquer amanhã às 9h30, impreterivelmente às 9h30.
 
Porquê a essa hora e não a outra qualquer?
 
Há dois anos atrás talvez pedisses uma cerveja: ajuda a pensar. Mas hoje já só bebes cerveja sem álcool, café sem cafeína, caminhada sem corrida, tudo pela metade.
 
Quando se é novo vive-se no limite, depois acomodamo-nos ao que diz o médico, ao que diz o patrão, ao que dizem os outros. Deixamos de viver para nós, deixamos de ir ouvir os barulhos das onze horas da noite a uma esplanada de uma rua qualquer só porque ajuda a poesia a escorrer melhor da caneta.
 
Desde que morreste que julguei que deixaria de viver pelo seguro, arriscar sorrir ou chorar ou doer. Importava apenas que eu soubesse que estava viva.
 
Hoje sei que me acomodei outra vez às rotinas. Sei-o porque estou aqui a esta hora a ouvir o motor daquele carro há mais de dez minutos.
Voltei ao ponto de partida, o que não é necessariamente uma coisa má. Faz-nos bem, às vezes, carregarmos no pause e refletirmos para onde estamos a ir. Muitas vezes são essas tomadas de consciência que nos trazem a verdadeira mudança – ou a aparência dela.
 
É nestes instantes que, na maioria das vezes, descobrimos para onde temos de ir, o que temos e fazer, que mudanças internas são necessárias para trazermos à nossa vida os sonhos que queremos realizar.
 
Com isto em mente, acabo de beber, consulto o relógio e pelo adiantado da hora apresso-me a pagar a conta.
 
Sei bem onde tenho de ir – tenho de ir dormir! Amanhã tenho onde estar às 9h30.
 
Ana Brilha